Posições Públicas

Apreciação do “Plano da Saúde Outono-Inverno 2020-21”
do Ministério da Saúde/Direção-Geral da Saúde

Contributos da Comissão Instaladora da Ordem de Assistentes Sociais 

Na sequência da audiência concedida no dia 8 de outubro de 2020, a Comissão Instaladora da Ordem de Assistentes Sociais apresentou, em 5 de novembro de 20202,  ao senhor Secretário de Estado da Saúde, o seu contributo para reforçar o “Plano da Saúde Outono-Inverno 2020-21” do Ministério da Saúde/Direção-Geral.

Preâmbulo 
Tendo sido solicitados contributos à Comissão Instaladora da Ordem de Assistentes Sociais para as revisões previstas ao “Plano da Saúde Outono-Inverno 2020-21”, adiante designado por Plano, somos de considerar que os assistentes sociais no Serviço Nacional de Saúde, assim como na rede de estruturas e respostas intersectoriais e comunitárias, se constituem como profissionais fulcrais na avaliação social, acompanhamento e intervenção social particularmente no que concerne ao segundo objetivo do plano e um dos pilares fundamentais da resposta à pandemia que se refere à proteção das populações mais vulneráveis.
O Plano reconhece a relevância dos determinantes sociais da saúde e da doença. Os Assistentes Sociais são profissionais-chave para garantir direitos, intervir junto das populações afetadas e minimizar os impactes sociais da pandemia COVID-19, particularmente junto das populações mais vulneráveis socialmente. Assim, a Comissão Instaladora da Ordem de Assistentes Sociais recomenda a inclusão de referências expressas à avaliação social, acompanhamento e intervenção social, enquanto atos específicos dos assistentes sociais, designadamente no setor da saúde.

Detalhamos seguidamente algumas considerações e recomendações que se afiguram pertinentes e que pretendem reforçar a humanização e a qualidade assistencial holística aos cidadãos prevista no Plano, integrando de forma mais clara a participação do Serviço Social. 

1. Avaliação do risco social e acompanhamento social de populações socialmente vulneráveis 

Considerando que “a resposta à pandemia provocada pela COVID-19 organiza-se em torno de dois pilares fundamentais: o controlo epidemiológico e a preparação do SNS para a resposta assistencial necessária, e a proteção das populações mais vulneráveis” (p. 17) entendemos que: 
a) No ponto 1.1.2. “Vigilância epidemiológica e avaliação do risco” (no âmbito da resposta ao risco sazonal) deve ser acrescentada uma dimensão num ponto 7 relativa à avaliação do risco social. A avaliação do risco social feita no âmbito do diagnóstico social dos/as assistentes sociais permitirá a determinação do nível de risco social associado à situação de doença e à situação de isolamento profilático no domicílio. Esta avaliação é determinante para a planificação, em equipa, das decisões a tomar e intervenções a definir em relação a cada utente.
b) Nas páginas 23 e 24 é referida a indissociabilidade entre a “atividade da Saúde Pública e o impacto das determinações das autoridades de saúde na relação laboral e na subsistência financeira das pessoas que são isoladas por serem identificadas como contactos de alto risco. O sucesso da adesão às decisões da Saúde Pública implica que se mantenha garantida a resposta a necessidades sociais, o que reclama a continuação do trabalho de proximidade em equipas multidisciplinares”. Para além da dimensão financeira e das medidas instituídas de proteção social, há outras dimensões que exigem avaliação e resposta do Serviço Social. Assim, entendemos que deve ser introduzida uma referência explicita à avaliação e ao acompanhamento social no ponto 1.3. (Gestão de Casos) acrescentando-se na página 28 um novo ponto a seguir ao ponto 3 (“Seguimento e vigilância clínica domiciliária, através da plataforma Trace-COVID-19, dos doentes com suspeita ou confirmação de COVID-19…”), pois para além da vigilância clínica domiciliária deve também haver avaliação e acompanhamento social domiciliário. Para tal, o Serviço Social das unidades de saúde terá de ter acesso a meios similares às previstas para a vigilância clínica.
c) No ponto 1.3.2. (Resposta dos cuidados de saúde primários, p. 34) sugerimos a inclusão de um novo ponto: Garantir a avaliação social sistemática, observando os critérios de referenciação para o Serviço Social quando a avaliação sistemática não é possível.
d) Na mesma linha entende-se que a avaliação do risco social, acompanhamento e intervenção social devem também estar previstas na Norma 4/2020 da DGS.
e) No ponto 1.4.1. (Setor social e populações vulneráveis, p. 41) sugerimos a referência às pessoas com doença mental, devendo ser também mencionadas no último parágrafo da página 41. Recomendamos, na mesma linha, que seja reforçada a atenção a esta população na Orientação 35/2020 da DGS.
f) Sugerimos a referência ao acompanhamento social para além do acompanhamento psicológico quando é referida a área da saúde mental (p. 49).
g) Na estruturação da resposta a nível regional, entende-se que “o encaminhamento dos doentes após avaliação no ADR-M faz-se de acordo com a gravidade clínica e a avaliação das condições socioeconómicas e de habitabilidade (exequibilidade de isolamento): a. Domicílio, ERPI/lares e UCCI; b. Isolamento em estruturas residenciais; c. Internamento hospitalar.” (p. 31). Entendem os assistentes sociais que tais decisões pressupõem uma avaliação social cuidada e multidimensional. Entendem também que não fica claro no Plano quais são os profissionais da equipa de saúde responsáveis pela “avaliação das condições socioeconómicas e de habitabilidade” para determinar a exequibilidade de isolamento profilático domiciliário, sendo fundamental uma referência explícita aos atos profissionais associados à profissão de forma consistente ao longo do plano. Como antes referimos, a determinação da exequibilidade ou não de isolamento profilático depende da sinalização de situações de risco social que exigem avaliação social. Damos conta, a título de exemplo, da existência de uma recomendação para avaliação de risco, referenciação e planificação da intervenção do serviço social na saúde com doentes com COVID-19, que integra o Plano de Emergência do Serviço Social da Saúde SS-COVID-19 (Associação dos Profissionais de Serviço Social, 2020).
h) Prevê-se no Plano que a ADR-M coordene, a nível regional, “o mapeamento atempado das zonas de maior risco social e com maior prevalência de populações vulneráveis, de modo a antecipar o risco e permitir uma intervenção intersectorial rápida e adequada”. Note-se que, apesar da possibilidade de identificar territórios prioritários de risco social, que exigirá um trabalho multidisciplinar e intersectorial com a rede colaborativa na comunidade, tal não isenta a avaliação social de utentes não provenientes destes territórios. Não estando prevista a composição profissional da ADR-M, gostaríamos que fosse salientada e reconhecida a fulcralidade dos/as assistentes sociais nestes processos e equipas, a par de outros profissionais de saúde e da área do trabalho social. 3 

 2. Reforço de recursos humanos 

O Plano prevê medidas em relação ao reforço de recursos humanos, mas não refere quais os critérios de afetação tanto para a task-force de resposta à COVID-19 como para a resposta não-COVID-19. 
É, no entanto, evidente que algumas competências elencadas no Plano integram o perfil profissional do/a assistente social (p. ex., avaliação do risco social, das condições socioeconómicas e de habitabilidade, mapeamento do risco, assim como a ativação de estratégias intersectoriais e de proximidade dirigida aos fatores de vulnerabilidade para minimizar as desigualdades e promover a equidade, mediação na rede colaborativa).
É também referido no Plano o reforço das respostas de proximidade a comunidades vulneráveis, da gestão das altas hospitalares e o reforço da hospitalização domiciliária, o que exige o respetivo reforço das equipas do Serviço Social nos cuidados primários e hospitalares.
Note-se que os cuidados primários e os cuidados hospitalares são atualmente deficitários quanto ao número de assistentes sociais. Os cuidados paliativos, face ao atual contexto e suas contingências, assim como aos cenários demográficos estimados, merecem também um reforço de afetação de assistentes sociais. Temos ainda de ter em conta que há assistentes sociais que adoecem, se encontram em isolamento profilático ou integram grupos de risco, acrescendo problemas aos atuais rácios já muito limitados.
Questionamos, assim, se está previsto o reforço do número de assistentes sociais nas unidades de saúde do SNS nos diferentes níveis de cuidados.
Os exemplos que referimos são:
 Na página 15 refere-se “a coordenação da resposta ao risco sazonal e da resposta não-COVID-19 deverá acompanhar a política de recursos humanos, continuando a adequar o planeamento e recrutamento às necessidades existentes”;
 Reforçar e capacitar equipas e multidisciplinares, que integrem profissionais de saúde, académicos, e profissionais de outras áreas do saber, para uma efetiva análise de risco (p.21);
 Em relação ao controlo dos surtos e gestão de contactos de risco, é referido que a “equipa deve ser designada pelas USP e prever mecanismos de escalar o reforço de profissionais de saúde dos ACES, de profissionais de saúde especificamente contratados, de profissionais de outros sectores e de elementos de ligação à comunidade” (..), acrescentando-se que “os profissionais alocados a estas equipas devem: 1. Ter formação com um foco particular na realização de inquéritos epidemiológicos, estratificação de risco de exposição a SARS-CoV-2, avaliação das condições de habitabilidade para isolamento domiciliário, e mecanismos de articulação intersectorial”. (p.23); 

 3. Aspetos a esclarecer 

Suscitam-nos dúvidas os seguintes aspetos: 
a) Na página 48 é referido o seguinte: “De forma a maximizar a resposta e a capacidade hospitalar para a atividade “não-COVID-19”, serão implementadas, nomeadamente, as seguintes medidas: 1. Reforço do papel das equipas de gestão de altas na articulação com o sector social de forma a evitar o prolongamento do internamento por motivos sociais. Neste âmbito, a criação de hospitais de retaguarda (…)”. Temos a considerar que parece haver uma confusão de funções, pois a Equipa de Gestão de Altas (EGA) é uma estrutura que intervém exclusivamente no âmbito da referenciação para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e não na gestão de outras situações. Apesar de as EGA incluírem assistentes sociais, o seu papel nesta estrutura não se confunde com o papel das equipas de Serviço Social hospitalar na resposta aos utentes em geral. Aliás, deve também fazer-se a distinção entre os utentes com prolongamento de internamento por se encontrarem a aguardar vaga na RNCCI e utentes com protelamento de alta por motivos sociais, pois os primeiros são referenciados pelo SNS para cuidados continuados e mantém-se no sistema. Por força da pressão a que estão sujeitas as equipas e a necessidade do sistema para que ampliem o seu papel de mediação, humanização, articulação intersectorial e da resposta de retaguarda não-COVID, assim como para assegurar a articulação e o acompanhamento às respostas residenciais na comunidade para utentes em isolamento profilático não domiciliário, leva-nos a considerar que se justifica o reforço urgente de recursos humanos na área do Serviço Social para que sejam garantidas as respostas adequadas.
b) O ponto 3 da página 46 refere o seguinte: “Garantir o reforço das atividades assistenciais na área da saúde mental e do apoio psicossocial de emergência, através do reforço da resposta do Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise do INEM e do Aconselhamento Psicológico do SNS24, incluindo para os profissionais de saúde”. Sabendo-se que o apoio psicossocial de emergência é da responsabilidade de equipas constituídas por psicólogos e assistentes sociais, e que o apoio psicossocial designa um ato profissional clássico do Serviço Social, desconhecendo a integração de assistentes sociais nas estruturas de emergência referidas, entendemos que este aspeto merece clarificação. 

4. Medidas de apoio aos cidadãos 

Entendemos que, entre outras medidas importantes que têm sido tomadas e que estão em planeamento, entendemos colocar as seguintes à ponderação de V. Exa.: 
a) Reforçar a literacia de direitos a par da literacia em saúde.
b) Integrar medidas de combate à pobreza energética através de medidas intersectoriais de apoio à melhoria de condições habitacionais, sabendo-se do peso na mortalidade que tem este determinante social da saúde e doença.
c) Assegurar meios tecnológicos e recursos humanos adequados ao reforço da humanização dos serviços de saúde para superar as restrições impostas pelo distanciamento físico e social.
d) Assegurar o apoio de transporte de doentes não urgentes, suspeitos de COVID ou COVID-positivos, sem viatura própria, entre as estruturas já existentes (ACES, hospitais) e a criar (ADR-C e ADR-SU) e locais de realização de testes, os domicílios e estruturas residenciais alternativas ao domicílio para isolamento profilático.
e) Os/as assistentes sociais estão disponíveis para colaborar na definição e aplicação de uma medida temporária de certificação de incapacidade, que substitua o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (dependente de Juntas Médicas que registam atrasos excessivos) para não obstaculizar o acesso dos cidadãos aos seus direitos. 

Lisboa, 28 de outubro de 2020 
Comissão Instaladora da Ordem de Assistentes Sociais 



Recomendação relativa aos estágios curriculares em Serviço Social no contexto da emergência de saúde pública associada à COVID-19

A Comissão Instaladora da Ordem dos Assistentes Sociais recomenda às Instituições de Ensino Superior que lecionam o  1º ciclo em Serviço Social que sejam envidados todos os esforços em vista ao estudo e adoção de soluções excecionais que permitam a realização dos estágios curriculares integrantes dos planos de estudos das licenciaturas em Serviço Social, sem prejuízo de acertos ajustados ao atual contexto.

​Consultar versão integral da recomendação